O céu sempre inspirou muitas coisas para nós seres humanos, Mistério, romance, grandiosidade, infinitude, dentre outros sentimentos. De fato o céu é tudo isso e mais algumas coisas, segundo Jean Nicolini, autor do livro "Manual do Astrônomo Amador": “Astronomia é a ciência do céu e o céu é tudo que existe, é o espaço incomensurável que envolve tudo e o conjunto de estrelas cada uma delas um sol; é o sistema planetário, Júpiter, Saturno, Marte, Vênus, é enfim nosso planeta, a Terra, que como os demais gravita isolada no espaço. É a ciência do infinito e da eternidade, ela abarca tanto as origens como os extremos limites do futuro.
A Astronomia tem por fim fazer-nos conhecer o Universo onde nos encontramos e do qual fazemos parte”
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Para saciar essa sede de curiosidade sobre o Céu o nosso blog trará para você alguns conceitos sobre Astronomia e alguns Software. Seja muito bem vindo!!!
*Carta celeste
*Stellarium
Para você que ja conhece um pouco de astronomia e para você que também esta iniciando na astronomia essas são ferramentas indispensaveis para observa e entender o céu.
O "patinho feio", no reino das galáxias
Por Domingos Sávio de Lima Soares*
As galáxias que mais chamam a nossa atenção são as galáxias espirais -- especialmente pela beleza dos braços espirais --, e as galáxias elípticas, as quais apresentam uma distribuição de luz uniforme e suave contra o fundo do céu. Existe, no entanto, um tipo de galáxia, cuja beleza reside exatamente no fato de não apresentar harmonia ou regularidade em sua forma. Trata-se do "patinho feio" do reino das galáxias, e as representantes deste tipo são chamadas muito apropriadamente de "galáxias irregulares".
As galáxias irregulares tendem a ser menores do que as espirais e as elípticas, e são mesmo chamadas de galáxias "anãs". Na verdade, o termo "galáxia irregular" aplica-se tanto a galáxias espirais anãs, com estrutura perturbada, como a nossa companheira, a Grande Nuvem de Magalhães, quanto a todas as outras galáxias que não se enquadram em nenhum dos tipos que possuem uma estrutura regular.
A propósito, as Nuvens de Magalhães -- a Grande e a Pequena -- são galáxias satélites da nossa Via Láctea, sendo facilmente visíveis a olho nu nos céus do hemisfério Sul. Elas foram descobertas pelo navegador português Fernão de Magalhães (1480-1521) em 1520, quando realizava a sua viagem de circunavegação da Terra.
Quando Edwin Hubble (1889-1953) propôs o seu esquema de classificação de galáxias -- conhecida como a "forquilha de Hubble" --, ele simplesmente classificou como "irregulares" todas as galáxias que não se enquadravam dentro dos tipos espiral e elíptico. Hoje em dia, as próprias irregulares possuem uma distinção interna de classificação, como veremos. Pois bem, Hubble chamou de "Irr I" às galáxias irregulares nas quais podia se discernir pelo menos algum sinal de uma estrutura, como por exemplo, indicações de um braço espiral. E chamou de "Irr II" àquelas que se apresentavam de uma forma extremamente desorganizada. Para Hubble, portanto, ambas as Nuvens de Magalhães, a Grande e a Pequena, se enquadravam na categoria Irr I.
A Grande Nuvem de Magalhães apresenta uma barra estelar proeminente e indícios de um braço espiral. A Pequena Nuvem de Magalhães apresenta uma estrutura alongada sem qualquer sinal de braços espirais. Ambas são galáxias anãs, ou seja, as suas massas são milhares de vezes menores que a massa de uma galáxia espiral típica como a nossa.
A classificação das irregulares utilizada por Hubble revelou-se bastante geral, à medida que mais observações de galáxias irregulares foram sendo realizadas. Havia, claramente, a necessidade de um refinamento na definição dos tipos de galáxias irregulares.
O astrônomo francês, radicado nos Estados Unidos, Gérard de Vaucouleurs (1918-1995) foi o responsável por um grande aperfeiçoamento do sistema de classificação de galáxias de Hubble. Entre outras contribuições, ele introduziu uma modificação, no caso das irregulares, com o intuito de se ter uma classificação mais discriminatória. Ele propôs que as irregulares fossem classificadas como uma extensão da classificação das galáxias espirais. Hubble definiu para as espirais os tipos Sa, Sb e Sc. Nesta ordem, a-b-c, os bojos estelares diminuem e os braços espirais se abrem. Uma galáxia espiral Sa, por exemplo, apresenta um bojo grande e braços que espiralam bem próximos do bojo. Então, de Vaucouleurs criou o novo tipo Sd, em que os braços existem mas começam a apresentar irregularidades na sua definição. A seguir, criou o tipo Sm -- "m" de Magalhães --, já no domínio das irregulares, na verdade, substituindo as Irr I de Hubble, e cujo protótipo, ou modelo, seria a Grande Nuvem de Magalhães. Criou ainda os tipos Im, cujo representante mais ilustre é a Pequena Nuvem, e para finalizar, criou o tipo Ir, para incluir as verdadeiramente irregulares, frequentemente também chamadas de galáxias "amorfas", isto é, literalmente, galáxias "sem forma". Estas últimas englobariam as Irr II de Hubble.
Temos assim, para as galáxias espirais e irregulares, a nova sequência Sa-Sb-Sc-Sd-Sm-Im-Ir. Na prática, isto corresponde a uma extensão do ramo das espirais normais da forquilha de Hubble. Analogamente, teremos a extensão SBa-SBb-SBc-SBd-SBm-Im-Ir para o ramo das galáxias espirais barradas da classificação original de Hubble.
Podemos agora rever a figura acima, onde mostramos as Nuvens de Magalhães. De acordo com a revisão de de Vaucouleurs, elas serão agora classificadas como SBm -- a Grande Nuvem -- e Im -- a Pequena Nuvem.
As galáxias irregulares são muitas vezes observadas a grandes distâncias de nós também. É o que mostra a figura seguinte, a qual apresenta algumas das galáxias irregulares observadas pelo Telescópio Espacial Hubble, cujos tempos de exposição foram muito grandes.
As galáxias irregulares possuem certas características, as quais se apresentam em todos os subtipos, de Sd a Ir. Em primeiro lugar, elas possuem regiões de intensa formação estelar. Estas regiões aparecem nas imagens como zonas de cor predominantemente azul. A luz azul é emitida por estrelas jovens de massa muito maior do que a do Sol -- 5 a 10 vezes maior -- e que evoluem rapidamente, existindo por "apenas" dezenas de milhões de anos. Estrelas com a massa igual ou menor do que a do Sol existem por até dezenas de bilhões de anos. Outra característica, e intimamente ligada à formação de estrelas, é a presença de nuvens de gás e poeira. Estas nuvens são vistas nas imagens com pequenas manchas avermelhadas. A luz vermelha é proveniente do gás hidrogênio, energeticamente excitado. O hidrogênio não é o único componente destas nuvens mas é o elemento mais abundante. A excitação do hidrogênio é causada pela radiação intensa das estrelas vizinhas. Estas estrelas, além da luz azul, emitem fortemente em radiação ultravioleta, que é altamente energética, e ionizam e excitam energeticamente o gás presente nas nuvens.
Do ponto de vista estrutural, as galáxias irregulares muitas vezes apresentam um bojo estelar -- a estrutura esferoidal presente na região central das galáxias espirais. Mas este bojo, quando presente, está sempre deslocado da região central da galáxia. Este é um indício de perturbação morfológica, uma característica básica das galáxias irregulares. As galáxias irregulares são frequentemente o resultado de colisões de duas ou mais galáxias, ou de perturbações originadas de fortes interações gravitacionais de maré com uma galáxia próxima.
A nossa próxima irregular, M82, foi provavelmente perturbada pela sua companheira, a bela espiral M81. M82 é uma Ir. Ela é chamada de galáxia "Charuto", devido à sua aparência global em observações de tempo de exposição pequeno. Mas quando examinamos a sua estrutura interna percebemos que ela é realmente uma verdadeira Ir, com pouca ordem na distribuição estelar.
Para finalizar, faremos uma homenagem à Grande Nuvem de Magalhães, a galáxia mais próxima de nós, e facilmente visível em nossos céus. A olho nu, ela é vista como uma mancha luminosa, esbranquiçada, contra o fundo do céu noturno, lembrando uma nuvem comum, de natureza meteorológica. Esta confusão é frequente entre os menos avisados. Mas é uma verdadeira galáxia! E, nós, habitantes do hemisfério Sul, temos o extraordinário privilégio de ter esta visão. A imagem que apresentaremos a seguir foi obtida com exposição de duração longa e mostra como a Grande Nuvem lembra uma galáxia espiral barrada. A estrutura fragmentada dos prováveis braços espirais não deixa dúvidas, no entanto, quanto à sua condição de verdadeira galáxia irregular. Mas este "patinho feio" é muito bonito, não é mesmo?
Em 1925, o astrônomo norte-americano Edwin Powell Hubble (1889-1953) publicou um artigo científico onde ele demonstrava, de forma inequívoca, que a nebulosa irregular NGC 6822, era de fato um sistema estelar exterior ao nosso sistema da Via Láctea. Estava inaugurada uma nova área da astronomia: a astronomia extragaláctica, e os horizontes humanos ampliados de forma espetacular!
Hubble conseguiu realizar este feito de uma maneira muito simples: ele mediu a distância até a "galáxia de Barnard", cujo nome de catálogo é NGC 6822 e está localizada na constelação de Sagitário. A distância obtida era mais de duas vezes maior que as dimensões, conhecidas na época, da Via Láctea. Sendo assim, NGC 6822 deveria estar fora de nossa própria galáxia. Começava, então, a nossa viagem em direção ao grande universo das galáxias!
Para medir esta distância ele utilizou uma régua muito especial, uma "régua cósmica", capaz de medir distâncias até então inimagináveis. E esta régua, que ampliou de forma imensa os nossos horizontes, foi descoberta por uma mulher, a astrônoma, também norte-americana, Henrietta Swan Leavitt (1868-1921).
Antes do advento dos computadores eletrônicos, cálculos matemáticos eram realizados por equipes de profissionais denominados "calculadores". Esta prática era bastante comum em todas as áreas das ciências exatas, e especialmente em astronomia. Em geral, os calculadores em astronomia eram mulheres, menos pelo fato de serem mais cuidadosas nos exaustivos cálculos do que pelo menor custo envolvido. Os salários de homens eram -- e, em muitas situações nos dias atuais, ainda são -- maiores do que os salários pagos às mulheres. Muitas calculadoras tornaram-se astrônomas de destaque na história da astronomia. Henrietta Leavitt é uma ilustre representante deste caso.
Após o término de seus estudos de graduação em 1892, Henrietta foi contratada pelo astrônomo Edward Pickering (1846-1919), do Observatório de Harvard, nos Estados Unidos. A sua função era a de calculadora, e ela deveria trabalhar no catálogo fotográfico do Observatório, medindo os brilhos de estrelas. Ela verificou que haviam milhares de estrelas variáveis nas imagens das Nuvens de Magalhães, que hoje sabemos serem galáxias satélites da Via Láctea. Entre as estrelas variáveis, havia um tipo especial, denominadas "variáveis Cefeidas".
As características que definem uma variável cefeida são o grande brilho -- são estrelas supergigantes -- e o seu período de variabilidade -- o tempo transcorrido para ocorrer um ciclo completo de variação de brilho --, de 1 a 100 dias, aproximadamente. A variação do brilho das Cefeidas também é típica. Ela apresenta um aumento rápido do brilho até o máximo e em seguida uma diminuição lenta, até o brilho mínimo. A causa da variabilidade está na pulsação da estrela, isto é, na variabilidade de seu tamanho, e das conseqüências desta variabilidade sobre outras características da estrela como, por exemplo, densidade e temperatura. Após a estrela passar pelo seu tamanho -- raio -- mínimo, ela possui um brilho maior. À medida que seu raio aumenta o seu brilho diminui. A estrela pulsa e o seu brilho varia durante a pulsação. A principal causa da variação do brilho da estrela, no entanto, não é a simples variação de seu tamanho, mas está diretamente relacionada à variação da temperatura de sua superfície. Os detalhes do mecanismo físico que gera a variabilidade das Cefeidas foram propostos, pela primeira vez, pelo astrofísico britânico Arthur S. Eddington (1882-1944).
As variáveis Cefeidas têm este nome porque a primeira delas foi descoberta na constelação de Cefeu ("Cepheus", em latim). A estrela era a quarta mais brilhante da constelação, e por isto denominada, conforme a convenção em astronomia, de Delta Cephei (ou, Delta de Cepheus), onde "delta" é a quarta letra do alfabeto grego.
Henrietta descobriu um fato importante nas variáveis Cefeidas das Nuvens de Magalhães: as variáveis de maior brilho possuiam um período grande e as de menor brilho um período pequeno. E a relação entre brilho e período era muito simples, o brilho era diretamente proporcional ao período. Como as estrelas estavam todas à mesma distância da Terra, pois se localizavam nas Nuvens de Magalhães, a relação entre o brilho aparente, que ela media, e o período era, na verdade, uma relação entre brilho intrínseco -- ou absoluto -- e período. Esta relação é também chamada de relação "período-luminosidade".
Como utilizar a relação período-luminosidade para medir distâncias? Ora, é sabido que o brilho de uma fonte parece ser tanto menor quanto maior é a distância a que ela se encontra do observador. Existe uma lei muito simples: o brilho aparente é inversamente proporcional ao quadrado da distância da fonte. Quer dizer, se conhecermos o brilho de uma fonte luminosa e a sua distância, e medirmos o seu brilho a uma distância desconhecida, podemos, com uma simples operação matemática, calcular a distância da fonte! Por exemplo, se uma fonte possui um brilho 4 vezes menor que o seu brilho na distância conhecida, então isto significa que ela está a uma distância 2 vezes maior. Bastava então conhecer a distância de uma variável cefeida de nossa própria galáxia, o que pode ser conseguido com métodos apropriados para distâncias menores. A relação período-luminosidade das Nuvens de Magalhães pode ser "calibrada" e torna-se então uma relação entre período e brilho a uma distância conhecida, ou "brilho absoluto".
Ao observarmos uma variável cefeida de distância desconhecida, basta medir o seu período, o que é simples, e a relação período-luminosidade, calibrada como descrito acima, fornecerá o brilho absoluto da estrela. Mede-se o brilho aparente da estrela e aplica-se a lei do inverso do quadrado da distância para se obter a sua distância verdadeira.
Este método é muito poderoso, porque as estrelas variáveis Cefeidas são estrelas supergigantes, as quais possuem luminosidades intrínsecas milhares de vezes maiores que a luminosidade do Sol. E assim podem ser observadas mesmo quando se localizam a distâncias muito grandes.
Foi assim que Edwin Hubble descobriu a distância até a galáxia de Barnard. Ele identificou variáveis Cefeidas na nebulosa, mediu os períodos, e daí deduziu os brilhos absolutos. Mediu então os brilhos aparentes de cada variável nas fotografias que obteve, e, finalmente, deduziu as distâncias até as variáveis, e portanto, até a galáxia. O resultado foi dramático: a nebulosa estava localizada a uma distância que era duas vezes e pouco maior que o tamanho de nossa própria Via Láctea. Era um sistema estelar localizado fora de nossa galáxia! Era uma outra galáxia! Foi uma das maiores descobertas da astronomia, e inaugurava-se uma nova era na pesquisa astronômica, a era da "astrofísica extragaláctica".
A nebulosa de Barnard tem este nome porque foi descoberta em 1884 pelo astrônomo norte-americano Edward E. Barnard (1857-1923). Ela foi catalogada, mais tarde, pelo astrônomo dinamarquês John L.E. Dreyer (1852-1926) em seu "The New General Catalog of Nebulae and Clusters of Stars", ou, "O Novo Catálogo Geral de Nebulosas e Aglomerados de Estrelas", com o número 6822, daí o seu nome NGC 6822. Depois das Nuvens de Magalhães, ela foi o primeiro sistema estelar onde foram identificadas variáveis Cefeidas. Hubble encontrou nela 15 estrelas variáveis, das quais 11 eram Cefeidas.
As observações foram realizadas com um telescópio refletor, cujo espelho possui 2,5 metros de diâmetro, localizado no Monte Wilson, no estado norte-americano da Califórnia. Utilizando a calibração da relação período-luminosidade conhecida na época, Hubble calculou a distância até NGC 6822 em 700 mil anos-luz. O tamanho do sistema da Via Láctea foi determinado pelo astrônomo norte-americano -- contemporâneo e um dos maiores rivais científicos de Hubble -- Harlow Shapley (1885-1972) em 300 mil anos-luz, utilizando-se a mesma calibração. A conclusão era definitiva: NGC 6822 não estava confinada aos limites da Via Láctea!
A calibração moderna da relação período-luminosidade das variáveis Cefeidas resulta em uma distância de 1,6 milhões de anos-luz para NGC 6882.
Logo em seguida, Hubble repetiu o mesmo procedimento para a Grande Nebulosa de Andrômeda (cujo nome de catálogo é M31) e para a Nebulosa do Triângulo (M33). O resultado foi o mesmo: elas eram sistemas independentes, situadas a distâncias de mais de dez vezes o tamanho de nossa própria galáxia!
O método das variáveis Cefeidas continua sendo uma ferramenta moderna de medida de distâncias cósmicas. Um dos projetos de pesquisa realizado pelo Telescópio Espacial Hubble (http://hubblesite.org) trata da identificação de variáveis Cefeidas em galáxias distantes, tendo como objetivo a determinação precisa de suas distâncias até nós. A galáxia mais distante na qual estrelas variáveis Cefeidas foram observadas é a galáxia espiral M100 (também catalogada como NGC 4321), pertencente ao aglomerado de galáxias de Virgem. Ela está localizada na constelação de Coma Berenices (Cabeleira), que está próxima da constelação de Virgem. O Telescópio Espacial Hubble observou esta galáxia e os astrônomos responsáveis pelo projeto descobriram nela 20 variáveis Cefeidas. Os astrônomos estudaram cerca de 40.000 estrelas para chegar a este resultado. As observações foram realizadas num intervalo de 2 meses, durante os quais foram feitas 12 imagens da galáxia, cada uma delas de uma hora de exposição. O intervalo de 2 meses, ou 60 dias, é apropriado para detecção de variáveis Cefeidas, pois como se viu acima, os períodos destas variáveis vão desde 1 até 100 dias.
A imagem mostrada aqui refere-se a uma das variáveis Cefeidas de M100, localizada na periferia do disco da galáxia. É notável a detecção da variação do brilho da estrela, especialmente por se tratar de uma galáxia tão remota. Isto mostra de forma bastante forte o sucesso do Telescópio Espacial Hubble. Este resultado seria impossível de se obter com telescópios em terra. A análise de todas as 20 Cefeidas identificadas na galáxia, com o auxílio da relação período-luminosidade, resultou numa distância de 56 milhões de anos-luz.
Publicado no site do autor Semanalmente republicaremos no fóton a Série o Reino das Galáxias.
As galáxias que mais chamam a nossa atenção são as galáxias espirais -- especialmente pela beleza dos braços espirais --, e as galáxias elípticas, as quais apresentam uma distribuição de luz uniforme e suave contra o fundo do céu. Existe, no entanto, um tipo de galáxia, cuja beleza reside exatamente no fato de não apresentar harmonia ou regularidade em sua forma. Trata-se do "patinho feio" do reino das galáxias, e as representantes deste tipo são chamadas muito apropriadamente de "galáxias irregulares".
As galáxias irregulares tendem a ser menores do que as espirais e as elípticas, e são mesmo chamadas de galáxias "anãs". Na verdade, o termo "galáxia irregular" aplica-se tanto a galáxias espirais anãs, com estrutura perturbada, como a nossa companheira, a Grande Nuvem de Magalhães, quanto a todas as outras galáxias que não se enquadram em nenhum dos tipos que possuem uma estrutura regular.
A propósito, as Nuvens de Magalhães -- a Grande e a Pequena -- são galáxias satélites da nossa Via Láctea, sendo facilmente visíveis a olho nu nos céus do hemisfério Sul. Elas foram descobertas pelo navegador português Fernão de Magalhães (1480-1521) em 1520, quando realizava a sua viagem de circunavegação da Terra.
Quando Edwin Hubble (1889-1953) propôs o seu esquema de classificação de galáxias -- conhecida como a "forquilha de Hubble" --, ele simplesmente classificou como "irregulares" todas as galáxias que não se enquadravam dentro dos tipos espiral e elíptico. Hoje em dia, as próprias irregulares possuem uma distinção interna de classificação, como veremos. Pois bem, Hubble chamou de "Irr I" às galáxias irregulares nas quais podia se discernir pelo menos algum sinal de uma estrutura, como por exemplo, indicações de um braço espiral. E chamou de "Irr II" àquelas que se apresentavam de uma forma extremamente desorganizada. Para Hubble, portanto, ambas as Nuvens de Magalhães, a Grande e a Pequena, se enquadravam na categoria Irr I.
A Grande Nuvem de Magalhães apresenta uma barra estelar proeminente e indícios de um braço espiral. A Pequena Nuvem de Magalhães apresenta uma estrutura alongada sem qualquer sinal de braços espirais. Ambas são galáxias anãs, ou seja, as suas massas são milhares de vezes menores que a massa de uma galáxia espiral típica como a nossa.
A Grande Nuvem de Magalhães, à esquerda, e a Pequena Nuvem de Magalhães. Elas são galáxias anãs e satélites da Via Láctea. A Grande Nuvem de Magalhães é o protótipo de uma subclasse de galáxias irregulares. Note a barra estelar da Grande Nuvem, que é a estrutura principal que se vê na imagem. A Grande Nuvem e a Pequena Nuvem de Magalhães foram classificadas por Hubble como Irr I. A Pequena Nuvem é provavelmente um disco distorcido por forças gravitacionais de maré. (Crédito: GNM, Eckhard Slawik; PNM, David Malin)
A classificação das irregulares utilizada por Hubble revelou-se bastante geral, à medida que mais observações de galáxias irregulares foram sendo realizadas. Havia, claramente, a necessidade de um refinamento na definição dos tipos de galáxias irregulares.
O astrônomo francês, radicado nos Estados Unidos, Gérard de Vaucouleurs (1918-1995) foi o responsável por um grande aperfeiçoamento do sistema de classificação de galáxias de Hubble. Entre outras contribuições, ele introduziu uma modificação, no caso das irregulares, com o intuito de se ter uma classificação mais discriminatória. Ele propôs que as irregulares fossem classificadas como uma extensão da classificação das galáxias espirais. Hubble definiu para as espirais os tipos Sa, Sb e Sc. Nesta ordem, a-b-c, os bojos estelares diminuem e os braços espirais se abrem. Uma galáxia espiral Sa, por exemplo, apresenta um bojo grande e braços que espiralam bem próximos do bojo. Então, de Vaucouleurs criou o novo tipo Sd, em que os braços existem mas começam a apresentar irregularidades na sua definição. A seguir, criou o tipo Sm -- "m" de Magalhães --, já no domínio das irregulares, na verdade, substituindo as Irr I de Hubble, e cujo protótipo, ou modelo, seria a Grande Nuvem de Magalhães. Criou ainda os tipos Im, cujo representante mais ilustre é a Pequena Nuvem, e para finalizar, criou o tipo Ir, para incluir as verdadeiramente irregulares, frequentemente também chamadas de galáxias "amorfas", isto é, literalmente, galáxias "sem forma". Estas últimas englobariam as Irr II de Hubble.
Temos assim, para as galáxias espirais e irregulares, a nova sequência Sa-Sb-Sc-Sd-Sm-Im-Ir. Na prática, isto corresponde a uma extensão do ramo das espirais normais da forquilha de Hubble. Analogamente, teremos a extensão SBa-SBb-SBc-SBd-SBm-Im-Ir para o ramo das galáxias espirais barradas da classificação original de Hubble.
Podemos agora rever a figura acima, onde mostramos as Nuvens de Magalhães. De acordo com a revisão de de Vaucouleurs, elas serão agora classificadas como SBm -- a Grande Nuvem -- e Im -- a Pequena Nuvem.
As galáxias irregulares são muitas vezes observadas a grandes distâncias de nós também. É o que mostra a figura seguinte, a qual apresenta algumas das galáxias irregulares observadas pelo Telescópio Espacial Hubble, cujos tempos de exposição foram muito grandes.
Galáxias irregulares distantes observadas pelo Telescópio Espacial Hubble. A partir da galáxia no canto superior esquerdo, e no sentido horário, elas podem ser tentativamente classificadas como SBm, Ir, Ir e Sd, no sistema revisado de de Vaucouleurs. As regiões azuladas nas galáxias indicam regiões de intensa formação de estrelas, uma característica típica das galáxias irregulares. (Crédito: Richard Griffiths, NASA/HST)
As galáxias irregulares possuem certas características, as quais se apresentam em todos os subtipos, de Sd a Ir. Em primeiro lugar, elas possuem regiões de intensa formação estelar. Estas regiões aparecem nas imagens como zonas de cor predominantemente azul. A luz azul é emitida por estrelas jovens de massa muito maior do que a do Sol -- 5 a 10 vezes maior -- e que evoluem rapidamente, existindo por "apenas" dezenas de milhões de anos. Estrelas com a massa igual ou menor do que a do Sol existem por até dezenas de bilhões de anos. Outra característica, e intimamente ligada à formação de estrelas, é a presença de nuvens de gás e poeira. Estas nuvens são vistas nas imagens com pequenas manchas avermelhadas. A luz vermelha é proveniente do gás hidrogênio, energeticamente excitado. O hidrogênio não é o único componente destas nuvens mas é o elemento mais abundante. A excitação do hidrogênio é causada pela radiação intensa das estrelas vizinhas. Estas estrelas, além da luz azul, emitem fortemente em radiação ultravioleta, que é altamente energética, e ionizam e excitam energeticamente o gás presente nas nuvens.
Do ponto de vista estrutural, as galáxias irregulares muitas vezes apresentam um bojo estelar -- a estrutura esferoidal presente na região central das galáxias espirais. Mas este bojo, quando presente, está sempre deslocado da região central da galáxia. Este é um indício de perturbação morfológica, uma característica básica das galáxias irregulares. As galáxias irregulares são frequentemente o resultado de colisões de duas ou mais galáxias, ou de perturbações originadas de fortes interações gravitacionais de maré com uma galáxia próxima.
A nossa próxima irregular, M82, foi provavelmente perturbada pela sua companheira, a bela espiral M81. M82 é uma Ir. Ela é chamada de galáxia "Charuto", devido à sua aparência global em observações de tempo de exposição pequeno. Mas quando examinamos a sua estrutura interna percebemos que ela é realmente uma verdadeira Ir, com pouca ordem na distribuição estelar.
À esquerda vemos o par de galáxias M81 e M82. A galáxia irregular M82 é vista ao lado em detalhes. Note a estrutura interna perturbada. As manchas escuras são nuvens de poeira, as quais absorvem a luz visível. A coloração azulada é proveniente das estrelas da galáxia. A estrutura de filamentos, perpendicular ao plano da galáxia, é devida ao hidrogênio ionizado emitindo a sua característica luz vermelha. (Crédito: M81-M82, Takayuki Yoshida; M82, Telescópio Subaru, Japão)
Para finalizar, faremos uma homenagem à Grande Nuvem de Magalhães, a galáxia mais próxima de nós, e facilmente visível em nossos céus. A olho nu, ela é vista como uma mancha luminosa, esbranquiçada, contra o fundo do céu noturno, lembrando uma nuvem comum, de natureza meteorológica. Esta confusão é frequente entre os menos avisados. Mas é uma verdadeira galáxia! E, nós, habitantes do hemisfério Sul, temos o extraordinário privilégio de ter esta visão. A imagem que apresentaremos a seguir foi obtida com exposição de duração longa e mostra como a Grande Nuvem lembra uma galáxia espiral barrada. A estrutura fragmentada dos prováveis braços espirais não deixa dúvidas, no entanto, quanto à sua condição de verdadeira galáxia irregular. Mas este "patinho feio" é muito bonito, não é mesmo?
Imagem da Grande Nuvem de Magalhães obtida com uma exposição longa. A sua classificação como SBm é inquestionável. Note a barra central e os braços espirais fragmentados ao seu redor. (Crédito: Yuri Beletsky, ESO)
Publicado no site do autor
Semanalmente republicaremos no fóton a Série o Reino das Galáxias.
*Domingos Sávio de Lima Soares é físico, astrônomo, professor do departamento de física da UFMG .
*Domingos Sávio de Lima Soares é físico, astrônomo, professor do departamento de física da UFMG .
Galáxias Espirais: redemoinhos e cata-ventos no céu
Por Domingos Sávio de Lima Soares*
As galáxias existem nas mais variadas formas e se contam em, pelo menos, centenas de bilhões, de acordo com estimativas feitas a partir das observações do Telescópio Espacial Hubble. Dentre todas elas, não restam dúvidas de que as mais espetaculares são as chamadas "galáxias espirais". A nossa própria galáxia, a galáxia da Via Láctea, é um membro dessa família.
As galáxias espirais recebem este nome por causa do aspecto característico que apresentam ao observador, qual seja, o de uma estrutura espiralada semelhante a um redemoinho ou a um cata-vento. Elas também são chamadas de "galáxias de disco", porque o material galáctico -- estrelas, gás e poeira interestelares -- está distribuído na forma de um disco "grosso". As estrelas constituem os principais membros das galáxias, pelo menos no que se refere à sua aparência visual. São elas que emitem a maior parte da luz visível de uma galáxia, seja ela uma espiral ou não. O aspecto visual típico das galáxias espirais é devido a estruturas, as quais os astrônomos denominam de "braços espirais". As estrelas mais brilhantes de uma galáxia espiral são aquelas que delineiam os braços. Estas, no entanto, contribuem pouco para a massa total da galáxia, mas devido ao seu extraordinário brilho são as que mais aparecem numa observação visual.
O disco das galáxias espirais está em rotação. E isto é típico destas galáxias: o material galáctico gira ao redor do centro do disco, o qual recebe o nome de "centro galáctico". Mas este giro não é como o giro de um disco rígido, como, por exemplo, um CD, no qual todos os pontos completam uma volta no mesmo intervalo de tempo. No disco galáctico, a cada distância do centro galáctico corresponde uma velocidade de rotação diferente. Este tipo de rotação recebe o nome de "rotação diferencial". Como veremos abaixo, a rotação diferencial do disco galáctico está intimamente relacionada com a existência dos braços espirais.
O nosso Sol move-se à extraordinária velocidade de 900.000 km/h em torno do centro da Via Láctea. Ele completa uma volta completa a cada 250 milhões de anos! Como o Sol já tem uma idade de 5 bilhões de anos, é fácil calcular que ele já fez esta viagem 20 vezes! Desta maneira, poderíamos dizer que o Sol é um "jovem" de 20 anos... galácticos.
As galáxias espirais apresentam-se aos observadores de variadas maneiras, dependendo do ângulo sob o qual elas são vistas. Em outras palavras, a aparência delas é uma questão de perspectiva geométrica. Podemos vê-las com o disco galáctico "de perfil", "de frente" ou em todas as perspectivas intermediárias possíveis. Os braços espirais são vistos mais espetacularmente quando os vemos de frente. É isto que veremos a seguir em três galáxias espirais "famosas". Elas são as preferidas, por razões diversas, tanto entre os astrônomos profissionais quanto entre os amadores. As três são exemplares belíssimos de galáxias espirais vistas de frente. Os seus braços espirais podem ser vistos em todo o seu esplendor.
A primeira delas é M51, como aparece no catálogo de Charles Messier (1730-1817), também conhecida como NGC 5194, conforme o seu número de entrada no "New General Catalog", de John L.E. Dreyer (1852-1926). Ela está localizada na constelação dos "Cães de Caça", e é popularmente conhecida como a galáxia do Redemoinho. M51 foi descoberta pelo próprio Messier, em 13 de outubro de 1773, quando observava um cometa. Ele a descreveu como uma "nebulosa muito fraca, sem estrelas", muito difícil de ser vista. A distância de M51, de acordo com medidas modernas, é de 31 milhões de anos luz, ou cerca de 15 vezes mais distante do que a nossa companheira mais próxima, M31, a Grande Nebulosa de Andrômeda, pertencente ao Grupo Local de Galáxias, o grupo de galáxias ao qual a nossa Via Láctea pertence.
M51, chamada "galáxia do Redemoinho". Dois braços espirais são claramente visíveis. Note-se a pequena galáxia companheira localizada na parte superior da imagem, próxima à extremidade de um dos braços.
(Crédito: Todd Boroson, Observatório Nacional de Kitt Peak, Estados Unidos)
M51 foi a primeira galáxia em que uma estrutura espiral foi claramente identificada. Os seus braços espirais constituem provavelmente o mais belo exemplo entre as galáxias espirais próximas de nós. Os braços também exibem emissão em ondas de rádio, o que indica que existe um campo magnético ao longo dos mesmos. Ondas eletromagnéticas na faixa de rádio são emitidas por elétrons que se movem em torno das linhas de força do campo magnético. A forte emissão em rádio-freqüência, ao longo dos braços espirais, indica que houve ali uma compressão, não só da matéria, mas também do campo magnético.
A segunda é M83, ou NGC 5236, localizada na constelação de Hydra (Cobra Fêmea), conhecida como "Cata-vento Austral". Ela é facilmente visível nos céus do hemisfério sul, daí o seu nome. M83 foi descoberta em 23 de fevereiro de 1752, pelo astrônomo francês Nicholas Louis de la Caille, no Cabo da Boa Esperança. Ela foi, portanto, descoberta antes de M51. Messier a incluiu em seu catálogo em 1781. Ela foi a primeira galáxia descoberta fora dos limites do Grupo Local. M83 oferece grandes dificuldades para ser observada por observadores situados no hemisfério norte, devido à sua localização no céu.
M83, o "Cata-vento Austral". Apesar de um tanto irregulares, os braços espirais podem ser vistos dando a impressão de um cata-vento. Esta imagem foi obtida com um instrumento denominado "Wide Field Imager", ou, "Imageador de Campo Amplo", montado num telescópio de 2,2 m de abertura, localizado no Chile, no Observatório Europeu Austral (ESO, na sigla em inglês). (Crédito: Davide De Martin, ESO - Observatório Europeu Austral)
M83 está a aproximadamente 15 milhões de anos luz de distância. Existem "caroços" vermelhos e azuis distribuídos ao longo de seus braços espirais. Os caroços vermelhos são nebulosas gasosas difusas, nas quais ocorre a formação de estrelas. As estrelas recém-formadas brilham intensamente em luz ultravioleta e "excitam" a nebulosa -- constituída principalmente do gás hidrogênio --, fazendo-a brilhar com a cor vermelha. Excitar uma nebulosa significa, neste caso, ionizar o seu gás, isto é, "arrancar" os elétrons dos átomos neutros de hidrogênio. A energia necessária para a excitação provêm da radiação ultravioleta das estrelas recém-nascidas.
Os caroços azuis esbranquiçados são aglomerados de estrelas que se formaram recentemente -- há algumas dezenas de milhões de anos. Estes caroços coloridos e brilhantes estão presentes em todos os braços espirais, e são uma característica das galáxias espirais. Por causa dos inumeráveis caroços brilhantes -- especialmente os vermelhos --, M83 é muitas vezes chamada de "a galáxia dos Mil Rubis".
Apesar de ser quase três vezes menor que a Via Láctea, M83 é muito parecida com a visão que os astrônomos imaginam para a nossa galáxia, se ela pudesse ser vista de frente. Inclusive, pode-se perceber na imagem mostrada aqui, uma estrutura estelar na forma de uma barra, cruzando o núcleo da galáxia. Desta barra estelar emergem os braços espirais. Isto também é o que parece ocorrer em nossa galáxia, quer dizer, a Via Láctea, como M83, é, quase certamente, uma galáxia barrada.
As observações do núcleo de M83 em raios X mostram que ali ocorre violenta formação de estrelas. O núcleo está no interior de uma nuvem de gás super-aquecido, com temperaturas em torno de 7 milhões de graus centígrados.
Finalmente, veremos M101, ou NGC 5457, na constelação boreal da Ursa Maior, também conhecida como a "galáxia do Cata-vento". Ela foi descoberta por outro astrônomo francês, Pierre Méchain, em 27 de março de 1781, e foi uma das últimas adições ao catálogo de Messier. Ela está localizada a 27 milhões de anos luz, segundo determinações recentes. Trata-se de uma galáxia muito grande, cerca de duas vezes maior que a Via Láctea. M101 é o membro mais brilhante de um grupo de pelo menos nove galáxias, que inclui M51, a galáxia do Redemoinho descrita anteriormente. Como pode ser visto na imagem de M101, o seu núcleo é ligeiramente deslocado do centro do disco galáctico. Isto foi causado, provavelmente, pela interação gravitacional com um dos membros mais próximos do grupo, ocorrida em tempos recentes -- do ponto de vista galáctico, ou seja, há algumas centenas de milhões de anos.
M101, ou "galáxia do Cata-vento". Imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble em 2006.
(Crédito: Telescópio Espacial Hubble, NASA/ESA)
M101 foi observada pelo Telescópio Espacial Spitzer, o qual é especializado em radiação infravermelha. As galáxias espirais possuem muita poeira, localizada principalmente nos braços espirais. Esta poeira é constituída de microscópicas partículas de grafite e de moléculas orgânicas gigantes, especialmente os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Estes últimos são encontrados também na Via Láctea e, na Terra, na prosaica fuligem. Esta poeira localiza-se em regiões de formação de estrelas e é aquecida pela radiação das mesmas. O Telescópio Espacial Spitzer detectou as nuvens de poeira aquecidas de M101, as quais emitem radiação infravermelha. Mas os astrônomos observaram um fato curioso. Nas regiões externas de M101 havia uma falta dos hidrocarbonetos. A explicação mais provável para isto é que a radiação das estrelas recém-formadas, localizadas nestas regiões, é tão energética que, ao invés de simplesmente aquecer as nuvens de poeira, destrói as macromoléculas orgânicas.
Como vimos, todas as três galáxias descritas acima, foram descobertas no século XVIII, quando a sua verdadeira natureza era ainda desconhecida. Eram, então, chamadas de "nebulosas espirais". Posteriormente, no século XX, descobriu-se que elas eram sistemas estelares independentes, semelhantes à Via Láctea.
Como se formam os braços espirais? Esta é uma questão atual pois ainda não existe uma resposta definitiva. Como é evidente nas imagens mostradas, com exceção de M51, a estrutura espiral pode ser bastante fragmentada. Galáxias espirais do tipo de M51 são denominadas de espirais de "Grande Desenho", devido à grande regularidade observada em seus braços. Estas são as preferidas para os testes das teorias de formação de estrutura espiral.
A teoria mais popular entre os astrônomos é a "teoria de ondas de densidade", de autoria dos astrônomos norte-americanos C.C. Lin e Frank H. Shu, que a propuseram em meados dos anos 1960. Ela tem sido aplicada a espirais de Grande Desenho, com bastante sucesso. Nesta teoria, os braços espirais representam as cristas de uma onda que se propaga no disco galáctico. A onda é gerada no disco e devido à sua rotação diferencial propaga-se na forma de uma espiral. Trata-se de uma onda de compressão que, ao passar pelo disco, força o gás e a poeira ali presentes a se aproximarem. Esta aproximação, ou compressão, deflagra o colapso gravitacional das grandes nuvens de gás e poeira, levando à formação de estrelas. O brilho destas estrelas e destas enormes nuvens de formação estelar evidenciam a forma espiral da onda de compressão. O processo de propagação da onda é semelhante ao que ocorre com uma onda no mar, com a grande diferença de que, aqui, as ondas são espirais, e não paralelas à uma linha, como ocorre com as ondas que quebram na praia. Como nos mares e oceanos, as ondas espirais são geradas por processos energéticos internos. No caso das galáxias espirais, a energia vem do campo gravitacional, isto é, da atração gravitacional existente entre os componentes da galáxia. Mas as ondas também podem ser estimuladas por uma força externa, como a força gravitacional de uma galáxia companheira. Este parece ser o caso de M51, que, como vimos, possui uma companheira bem próxima. Este tipo de excitação por uma força externa é muito comum na natureza. Um exemplo familiar são as marés oceânicas que são geradas pelas forças gravitacionais combinadas da Lua e do Sol sobre os oceanos.
As galáxias existem nas mais variadas formas e se contam em, pelo menos, centenas de bilhões, de acordo com estimativas feitas a partir das observações do Telescópio Espacial Hubble. Dentre todas elas, não restam dúvidas de que as mais espetaculares são as chamadas "galáxias espirais". A nossa própria galáxia, a galáxia da Via Láctea, é um membro dessa família.
As galáxias espirais recebem este nome por causa do aspecto característico que apresentam ao observador, qual seja, o de uma estrutura espiralada semelhante a um redemoinho ou a um cata-vento. Elas também são chamadas de "galáxias de disco", porque o material galáctico -- estrelas, gás e poeira interestelares -- está distribuído na forma de um disco "grosso". As estrelas constituem os principais membros das galáxias, pelo menos no que se refere à sua aparência visual. São elas que emitem a maior parte da luz visível de uma galáxia, seja ela uma espiral ou não. O aspecto visual típico das galáxias espirais é devido a estruturas, as quais os astrônomos denominam de "braços espirais". As estrelas mais brilhantes de uma galáxia espiral são aquelas que delineiam os braços. Estas, no entanto, contribuem pouco para a massa total da galáxia, mas devido ao seu extraordinário brilho são as que mais aparecem numa observação visual.
O disco das galáxias espirais está em rotação. E isto é típico destas galáxias: o material galáctico gira ao redor do centro do disco, o qual recebe o nome de "centro galáctico". Mas este giro não é como o giro de um disco rígido, como, por exemplo, um CD, no qual todos os pontos completam uma volta no mesmo intervalo de tempo. No disco galáctico, a cada distância do centro galáctico corresponde uma velocidade de rotação diferente. Este tipo de rotação recebe o nome de "rotação diferencial". Como veremos abaixo, a rotação diferencial do disco galáctico está intimamente relacionada com a existência dos braços espirais.
O nosso Sol move-se à extraordinária velocidade de 900.000 km/h em torno do centro da Via Láctea. Ele completa uma volta completa a cada 250 milhões de anos! Como o Sol já tem uma idade de 5 bilhões de anos, é fácil calcular que ele já fez esta viagem 20 vezes! Desta maneira, poderíamos dizer que o Sol é um "jovem" de 20 anos... galácticos.
As galáxias espirais apresentam-se aos observadores de variadas maneiras, dependendo do ângulo sob o qual elas são vistas. Em outras palavras, a aparência delas é uma questão de perspectiva geométrica. Podemos vê-las com o disco galáctico "de perfil", "de frente" ou em todas as perspectivas intermediárias possíveis. Os braços espirais são vistos mais espetacularmente quando os vemos de frente. É isto que veremos a seguir em três galáxias espirais "famosas". Elas são as preferidas, por razões diversas, tanto entre os astrônomos profissionais quanto entre os amadores. As três são exemplares belíssimos de galáxias espirais vistas de frente. Os seus braços espirais podem ser vistos em todo o seu esplendor.
A primeira delas é M51, como aparece no catálogo de Charles Messier (1730-1817), também conhecida como NGC 5194, conforme o seu número de entrada no "New General Catalog", de John L.E. Dreyer (1852-1926). Ela está localizada na constelação dos "Cães de Caça", e é popularmente conhecida como a galáxia do Redemoinho. M51 foi descoberta pelo próprio Messier, em 13 de outubro de 1773, quando observava um cometa. Ele a descreveu como uma "nebulosa muito fraca, sem estrelas", muito difícil de ser vista. A distância de M51, de acordo com medidas modernas, é de 31 milhões de anos luz, ou cerca de 15 vezes mais distante do que a nossa companheira mais próxima, M31, a Grande Nebulosa de Andrômeda, pertencente ao Grupo Local de Galáxias, o grupo de galáxias ao qual a nossa Via Láctea pertence.
(Crédito: Todd Boroson, Observatório Nacional de Kitt Peak, Estados Unidos)
A segunda é M83, ou NGC 5236, localizada na constelação de Hydra (Cobra Fêmea), conhecida como "Cata-vento Austral". Ela é facilmente visível nos céus do hemisfério sul, daí o seu nome. M83 foi descoberta em 23 de fevereiro de 1752, pelo astrônomo francês Nicholas Louis de la Caille, no Cabo da Boa Esperança. Ela foi, portanto, descoberta antes de M51. Messier a incluiu em seu catálogo em 1781. Ela foi a primeira galáxia descoberta fora dos limites do Grupo Local. M83 oferece grandes dificuldades para ser observada por observadores situados no hemisfério norte, devido à sua localização no céu.
Os caroços azuis esbranquiçados são aglomerados de estrelas que se formaram recentemente -- há algumas dezenas de milhões de anos. Estes caroços coloridos e brilhantes estão presentes em todos os braços espirais, e são uma característica das galáxias espirais. Por causa dos inumeráveis caroços brilhantes -- especialmente os vermelhos --, M83 é muitas vezes chamada de "a galáxia dos Mil Rubis".
Apesar de ser quase três vezes menor que a Via Láctea, M83 é muito parecida com a visão que os astrônomos imaginam para a nossa galáxia, se ela pudesse ser vista de frente. Inclusive, pode-se perceber na imagem mostrada aqui, uma estrutura estelar na forma de uma barra, cruzando o núcleo da galáxia. Desta barra estelar emergem os braços espirais. Isto também é o que parece ocorrer em nossa galáxia, quer dizer, a Via Láctea, como M83, é, quase certamente, uma galáxia barrada.
As observações do núcleo de M83 em raios X mostram que ali ocorre violenta formação de estrelas. O núcleo está no interior de uma nuvem de gás super-aquecido, com temperaturas em torno de 7 milhões de graus centígrados.
Finalmente, veremos M101, ou NGC 5457, na constelação boreal da Ursa Maior, também conhecida como a "galáxia do Cata-vento". Ela foi descoberta por outro astrônomo francês, Pierre Méchain, em 27 de março de 1781, e foi uma das últimas adições ao catálogo de Messier. Ela está localizada a 27 milhões de anos luz, segundo determinações recentes. Trata-se de uma galáxia muito grande, cerca de duas vezes maior que a Via Láctea. M101 é o membro mais brilhante de um grupo de pelo menos nove galáxias, que inclui M51, a galáxia do Redemoinho descrita anteriormente. Como pode ser visto na imagem de M101, o seu núcleo é ligeiramente deslocado do centro do disco galáctico. Isto foi causado, provavelmente, pela interação gravitacional com um dos membros mais próximos do grupo, ocorrida em tempos recentes -- do ponto de vista galáctico, ou seja, há algumas centenas de milhões de anos.
(Crédito: Telescópio Espacial Hubble, NASA/ESA)
M101 foi observada pelo Telescópio Espacial Spitzer, o qual é especializado em radiação infravermelha. As galáxias espirais possuem muita poeira, localizada principalmente nos braços espirais. Esta poeira é constituída de microscópicas partículas de grafite e de moléculas orgânicas gigantes, especialmente os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Estes últimos são encontrados também na Via Láctea e, na Terra, na prosaica fuligem. Esta poeira localiza-se em regiões de formação de estrelas e é aquecida pela radiação das mesmas. O Telescópio Espacial Spitzer detectou as nuvens de poeira aquecidas de M101, as quais emitem radiação infravermelha. Mas os astrônomos observaram um fato curioso. Nas regiões externas de M101 havia uma falta dos hidrocarbonetos. A explicação mais provável para isto é que a radiação das estrelas recém-formadas, localizadas nestas regiões, é tão energética que, ao invés de simplesmente aquecer as nuvens de poeira, destrói as macromoléculas orgânicas.
Como vimos, todas as três galáxias descritas acima, foram descobertas no século XVIII, quando a sua verdadeira natureza era ainda desconhecida. Eram, então, chamadas de "nebulosas espirais". Posteriormente, no século XX, descobriu-se que elas eram sistemas estelares independentes, semelhantes à Via Láctea.
Como se formam os braços espirais? Esta é uma questão atual pois ainda não existe uma resposta definitiva. Como é evidente nas imagens mostradas, com exceção de M51, a estrutura espiral pode ser bastante fragmentada. Galáxias espirais do tipo de M51 são denominadas de espirais de "Grande Desenho", devido à grande regularidade observada em seus braços. Estas são as preferidas para os testes das teorias de formação de estrutura espiral.
A teoria mais popular entre os astrônomos é a "teoria de ondas de densidade", de autoria dos astrônomos norte-americanos C.C. Lin e Frank H. Shu, que a propuseram em meados dos anos 1960. Ela tem sido aplicada a espirais de Grande Desenho, com bastante sucesso. Nesta teoria, os braços espirais representam as cristas de uma onda que se propaga no disco galáctico. A onda é gerada no disco e devido à sua rotação diferencial propaga-se na forma de uma espiral. Trata-se de uma onda de compressão que, ao passar pelo disco, força o gás e a poeira ali presentes a se aproximarem. Esta aproximação, ou compressão, deflagra o colapso gravitacional das grandes nuvens de gás e poeira, levando à formação de estrelas. O brilho destas estrelas e destas enormes nuvens de formação estelar evidenciam a forma espiral da onda de compressão. O processo de propagação da onda é semelhante ao que ocorre com uma onda no mar, com a grande diferença de que, aqui, as ondas são espirais, e não paralelas à uma linha, como ocorre com as ondas que quebram na praia. Como nos mares e oceanos, as ondas espirais são geradas por processos energéticos internos. No caso das galáxias espirais, a energia vem do campo gravitacional, isto é, da atração gravitacional existente entre os componentes da galáxia. Mas as ondas também podem ser estimuladas por uma força externa, como a força gravitacional de uma galáxia companheira. Este parece ser o caso de M51, que, como vimos, possui uma companheira bem próxima. Este tipo de excitação por uma força externa é muito comum na natureza. Um exemplo familiar são as marés oceânicas que são geradas pelas forças gravitacionais combinadas da Lua e do Sol sobre os oceanos.
Semanalmente republicaremos no fóton a Série o Reino das Galáxias.
*Domingos Sávio de Lima Soares é físico, astrônomo e professor do departamento de física da UFMG.
*Domingos Sávio de Lima Soares é físico, astrônomo e professor do departamento de física da UFMG.
Henrietta Leavitt, a mulher que descobriu uma régua cósmica
Por Domingos Sávio de Lima Soares*
Em 1925, o astrônomo norte-americano Edwin Powell Hubble (1889-1953) publicou um artigo científico onde ele demonstrava, de forma inequívoca, que a nebulosa irregular NGC 6822, era de fato um sistema estelar exterior ao nosso sistema da Via Láctea. Estava inaugurada uma nova área da astronomia: a astronomia extragaláctica, e os horizontes humanos ampliados de forma espetacular!
Hubble conseguiu realizar este feito de uma maneira muito simples: ele mediu a distância até a "galáxia de Barnard", cujo nome de catálogo é NGC 6822 e está localizada na constelação de Sagitário. A distância obtida era mais de duas vezes maior que as dimensões, conhecidas na época, da Via Láctea. Sendo assim, NGC 6822 deveria estar fora de nossa própria galáxia. Começava, então, a nossa viagem em direção ao grande universo das galáxias!
Para medir esta distância ele utilizou uma régua muito especial, uma "régua cósmica", capaz de medir distâncias até então inimagináveis. E esta régua, que ampliou de forma imensa os nossos horizontes, foi descoberta por uma mulher, a astrônoma, também norte-americana, Henrietta Swan Leavitt (1868-1921).
Henrietta Leavitt, cujo nome está escrito na história da ciência moderna como responsável pela descoberta de um método astronômico poderoso de medir distâncias: o método das estrelas variáveis Cefeidas. (Crédito: Domínio público)
Antes do advento dos computadores eletrônicos, cálculos matemáticos eram realizados por equipes de profissionais denominados "calculadores". Esta prática era bastante comum em todas as áreas das ciências exatas, e especialmente em astronomia. Em geral, os calculadores em astronomia eram mulheres, menos pelo fato de serem mais cuidadosas nos exaustivos cálculos do que pelo menor custo envolvido. Os salários de homens eram -- e, em muitas situações nos dias atuais, ainda são -- maiores do que os salários pagos às mulheres. Muitas calculadoras tornaram-se astrônomas de destaque na história da astronomia. Henrietta Leavitt é uma ilustre representante deste caso.
Após o término de seus estudos de graduação em 1892, Henrietta foi contratada pelo astrônomo Edward Pickering (1846-1919), do Observatório de Harvard, nos Estados Unidos. A sua função era a de calculadora, e ela deveria trabalhar no catálogo fotográfico do Observatório, medindo os brilhos de estrelas. Ela verificou que haviam milhares de estrelas variáveis nas imagens das Nuvens de Magalhães, que hoje sabemos serem galáxias satélites da Via Láctea. Entre as estrelas variáveis, havia um tipo especial, denominadas "variáveis Cefeidas".
As características que definem uma variável cefeida são o grande brilho -- são estrelas supergigantes -- e o seu período de variabilidade -- o tempo transcorrido para ocorrer um ciclo completo de variação de brilho --, de 1 a 100 dias, aproximadamente. A variação do brilho das Cefeidas também é típica. Ela apresenta um aumento rápido do brilho até o máximo e em seguida uma diminuição lenta, até o brilho mínimo. A causa da variabilidade está na pulsação da estrela, isto é, na variabilidade de seu tamanho, e das conseqüências desta variabilidade sobre outras características da estrela como, por exemplo, densidade e temperatura. Após a estrela passar pelo seu tamanho -- raio -- mínimo, ela possui um brilho maior. À medida que seu raio aumenta o seu brilho diminui. A estrela pulsa e o seu brilho varia durante a pulsação. A principal causa da variação do brilho da estrela, no entanto, não é a simples variação de seu tamanho, mas está diretamente relacionada à variação da temperatura de sua superfície. Os detalhes do mecanismo físico que gera a variabilidade das Cefeidas foram propostos, pela primeira vez, pelo astrofísico britânico Arthur S. Eddington (1882-1944).
As variáveis Cefeidas têm este nome porque a primeira delas foi descoberta na constelação de Cefeu ("Cepheus", em latim). A estrela era a quarta mais brilhante da constelação, e por isto denominada, conforme a convenção em astronomia, de Delta Cephei (ou, Delta de Cepheus), onde "delta" é a quarta letra do alfabeto grego.
Gráfico de uma "curva de luz" de uma estrela variável cefeida fictícia, com período de pouco mais de 3 dias. O brilho da estrela, representado pelos pontos, varia periodicamente entre um valor máximo e um mínimo. Note que a variação até o máximo é relativamente mais rápida que a diminuição até o brilho mínimo. Esta é uma das características das variáveis Cefeidas. (Crédito: Domingos Soares)
Gráfico feito por Henrietta Leavitt em um artigo de 1912, em que ela descreve a descoberta da relação período-luminosidade para as variáveis Cefeidas da Pequena Nuvem de Magalhães. O eixo vertical registra os brilhos aparentes e o eixo horizontal o período. As duas retas correspondem à relação para os máximos e para os mínimos de brilho aparente. A reta significa que existe uma "proporção direta" entre período e brilho. (Crédito: Henrietta Leavitt)
Como utilizar a relação período-luminosidade para medir distâncias? Ora, é sabido que o brilho de uma fonte parece ser tanto menor quanto maior é a distância a que ela se encontra do observador. Existe uma lei muito simples: o brilho aparente é inversamente proporcional ao quadrado da distância da fonte. Quer dizer, se conhecermos o brilho de uma fonte luminosa e a sua distância, e medirmos o seu brilho a uma distância desconhecida, podemos, com uma simples operação matemática, calcular a distância da fonte! Por exemplo, se uma fonte possui um brilho 4 vezes menor que o seu brilho na distância conhecida, então isto significa que ela está a uma distância 2 vezes maior. Bastava então conhecer a distância de uma variável cefeida de nossa própria galáxia, o que pode ser conseguido com métodos apropriados para distâncias menores. A relação período-luminosidade das Nuvens de Magalhães pode ser "calibrada" e torna-se então uma relação entre período e brilho a uma distância conhecida, ou "brilho absoluto".
Ao observarmos uma variável cefeida de distância desconhecida, basta medir o seu período, o que é simples, e a relação período-luminosidade, calibrada como descrito acima, fornecerá o brilho absoluto da estrela. Mede-se o brilho aparente da estrela e aplica-se a lei do inverso do quadrado da distância para se obter a sua distância verdadeira.
Este método é muito poderoso, porque as estrelas variáveis Cefeidas são estrelas supergigantes, as quais possuem luminosidades intrínsecas milhares de vezes maiores que a luminosidade do Sol. E assim podem ser observadas mesmo quando se localizam a distâncias muito grandes.
Foi assim que Edwin Hubble descobriu a distância até a galáxia de Barnard. Ele identificou variáveis Cefeidas na nebulosa, mediu os períodos, e daí deduziu os brilhos absolutos. Mediu então os brilhos aparentes de cada variável nas fotografias que obteve, e, finalmente, deduziu as distâncias até as variáveis, e portanto, até a galáxia. O resultado foi dramático: a nebulosa estava localizada a uma distância que era duas vezes e pouco maior que o tamanho de nossa própria Via Láctea. Era um sistema estelar localizado fora de nossa galáxia! Era uma outra galáxia! Foi uma das maiores descobertas da astronomia, e inaugurava-se uma nova era na pesquisa astronômica, a era da "astrofísica extragaláctica".
A nebulosa de Barnard tem este nome porque foi descoberta em 1884 pelo astrônomo norte-americano Edward E. Barnard (1857-1923). Ela foi catalogada, mais tarde, pelo astrônomo dinamarquês John L.E. Dreyer (1852-1926) em seu "The New General Catalog of Nebulae and Clusters of Stars", ou, "O Novo Catálogo Geral de Nebulosas e Aglomerados de Estrelas", com o número 6822, daí o seu nome NGC 6822. Depois das Nuvens de Magalhães, ela foi o primeiro sistema estelar onde foram identificadas variáveis Cefeidas. Hubble encontrou nela 15 estrelas variáveis, das quais 11 eram Cefeidas.
As observações foram realizadas com um telescópio refletor, cujo espelho possui 2,5 metros de diâmetro, localizado no Monte Wilson, no estado norte-americano da Califórnia. Utilizando a calibração da relação período-luminosidade conhecida na época, Hubble calculou a distância até NGC 6822 em 700 mil anos-luz. O tamanho do sistema da Via Láctea foi determinado pelo astrônomo norte-americano -- contemporâneo e um dos maiores rivais científicos de Hubble -- Harlow Shapley (1885-1972) em 300 mil anos-luz, utilizando-se a mesma calibração. A conclusão era definitiva: NGC 6822 não estava confinada aos limites da Via Láctea!
A calibração moderna da relação período-luminosidade das variáveis Cefeidas resulta em uma distância de 1,6 milhões de anos-luz para NGC 6882.
Logo em seguida, Hubble repetiu o mesmo procedimento para a Grande Nebulosa de Andrômeda (cujo nome de catálogo é M31) e para a Nebulosa do Triângulo (M33). O resultado foi o mesmo: elas eram sistemas independentes, situadas a distâncias de mais de dez vezes o tamanho de nossa própria galáxia!
O método das variáveis Cefeidas continua sendo uma ferramenta moderna de medida de distâncias cósmicas. Um dos projetos de pesquisa realizado pelo Telescópio Espacial Hubble (http://hubblesite.org) trata da identificação de variáveis Cefeidas em galáxias distantes, tendo como objetivo a determinação precisa de suas distâncias até nós. A galáxia mais distante na qual estrelas variáveis Cefeidas foram observadas é a galáxia espiral M100 (também catalogada como NGC 4321), pertencente ao aglomerado de galáxias de Virgem. Ela está localizada na constelação de Coma Berenices (Cabeleira), que está próxima da constelação de Virgem. O Telescópio Espacial Hubble observou esta galáxia e os astrônomos responsáveis pelo projeto descobriram nela 20 variáveis Cefeidas. Os astrônomos estudaram cerca de 40.000 estrelas para chegar a este resultado. As observações foram realizadas num intervalo de 2 meses, durante os quais foram feitas 12 imagens da galáxia, cada uma delas de uma hora de exposição. O intervalo de 2 meses, ou 60 dias, é apropriado para detecção de variáveis Cefeidas, pois como se viu acima, os períodos destas variáveis vão desde 1 até 100 dias.
A imagem mostrada aqui refere-se a uma das variáveis Cefeidas de M100, localizada na periferia do disco da galáxia. É notável a detecção da variação do brilho da estrela, especialmente por se tratar de uma galáxia tão remota. Isto mostra de forma bastante forte o sucesso do Telescópio Espacial Hubble. Este resultado seria impossível de se obter com telescópios em terra. A análise de todas as 20 Cefeidas identificadas na galáxia, com o auxílio da relação período-luminosidade, resultou numa distância de 56 milhões de anos-luz.
Uma estrela variável Cefeida, localizada na periferia do disco da galáxia M100, está identificada pelo pequeno quadrado, à direita da imagem. Parte do núcleo da galáxia aparece no canto inferior esquerdo. Os três quadros superiores mostram a estrela nos centros, ilustrando a variação de seu brilho. Como se vê, o brilho da estrela aumenta a partir do quadro da esquerda. (Crédito: Wendy L. Freedman/Telescópio Espacial Hubble)
*Domingos Sávio de Lima Soares é físico, astrônomo e professor do departamento de física da UFMG.